sábado, março 01, 2008

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Estou em casa a bater com a cabeça nas paredes, telefono à minha mãe: - estou completamente desorientado como um passarinho acabado de sair da casca.
Há três dias que não saio de casa, andam-me a perseguir, mas quem? – são os irmãos metralha, uma dupla terrível, que traficava peças de mota, tubos de escape, e vário tipo de material impossível de encontrar no mercado tradicional, são peças que uma vez implantadas nos motociclos, transformam estes veículos motorizados nas mais belas obras de arte. O Zé-Tó é um cliente habitual, a sua mota tem uma performance brutal, e já lhe permitiu arrecadar um belo troféu no campeonato regional de tunning da Baixa da Banheira. Foi um dia histórico para o Zé-Tó, o rapazinho era açougueiro no melhor talho cá do bairro. À porta do talho vários anúncios, dobrada ao preço da chuva, maõzinhas de vaca, chispe: tudo das melhores carnes provenientes das melhores pastagens da Malveira.
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A minha mãe vem no expresso da EVA a caminho de Lisboa, ocupa o lugar 48, foi mesmo à rasca que conseguiu o bilhete, a lotação estava esgotada,
D. Manuela sentou-se nos últimos bancos, o espaço para as pernas é diminuto, o passageiro que se atreva a viajar nestas condições, sofrerá as passas do Algarve, um tortura digna dos tempos da inquisição, alguns passageiros chegam ao destino com as pernas encavalitadas nos ombros, alguns nem conseguem recuperar, nem com meses de fisioterapia. O conceito de transporte de humanos para quem concebe estas geringonças, é algo de muito redutor, ou seja, o que é necessário é ocupar todo o espaço disponível no interior do veículo, também conhecido pelo vulgar sardinha em lata. Uma sardinha por dia, nem sabe o bem que lhe fazia.
Quando viajo nestas condições utilizo um esquema infalível: começo a vomitar, há um liquido que escorre pelo bancos de veludo com riscas azuis. De súbito o passageiro do lado pede para mudar de lugar. Fixe, mais espaço para respirar dentro deste caixote com rodas, muitas por sinal. O motorista é obrigado a parar, o cheiro no interior do veículo é agonizante. Uma pensionista que transportava o seu caniche branco, queria arrancar-me os olhos. Eu nem tinha notado, mas tinha acabado de cometer um homicídio de um pobre canídeo. Peço desculpa minha senhora, mas tudo tem uma solução, quando chegar a Lisboa arranjo-lhe um caõzinho, o que não falta por essas ruas imundas, são vira-latas à espera de uma dona carinhosa que lhe corte as unhas dos pés, e lhe aconchegue o estômago com pedigree pal. Não houve acordo entre ambas as partes, a puta da velha, disse-me que iria pagar bem caro aquele acto hediondo digno de manchete do 24 horas.
– Oh, meu cabrão, deste que o meu falecido marido morreu, o Toni era a minha única companhia, era com ele que eu conversava, às vezes até jogávamos às cartas. Desata a chorar desalmadamente, do nada surge um dilúvio que acaba por refrescar o autocarro, o odor pestilento provocado pelo vómito, tinha sido eliminado por lágrimas de beata.
O sr. Manuel, motorista há mais de vinte anos nesta companhia, milhares de quilómetros ao longo do país e estrangeiro: lá passa a esfregona pelo corredor, isto faz-me a pior profissão do mundo, precisamente a do homem da esfregona do reputado Animatógrafo do Rossio.
Penso para os meus botões, há cenas fodidas, mas agora eu agora é que estava bem fodido por causa da merda de um caniche. Os caniches são como as putas,
são mais que as mães, é só virar a esquina e lá está uma, às vezes até nos entram pela casa adentro, é só uma questão de dinheiro. Money talks, money walks.

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