quarta-feira, junho 08, 2022

About me...

Um bicho do mato

com contradições

por vezes um cabeça no ar

mas confiável

Sou Lúcido...

Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa Aquele homem mal vestido, pedinte por profissão que se lhe vê na cara Que simpatiza comigo e eu simpatizo com ele; E reciprocamente, num gesto largo, transbordante, dei-lhe tudo quanto tinha (Excepto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro: Não sou parvo nem romancista russo, aplicado, E romantismo, sim, mas devagar...). Sinto urna simpatia por essa gente toda, Sobretudo quando não merece simpatia. Sim, eu sou também vadio e pedinte, E sou-o também por minha culpa. Ser vadio e pedinte não é ser vadio e pedinte: É estar ao lado da escala social, É não ser adaptável às normas da vida, Às normas reais ou sentimentais da vida — Não ser Juiz do Supremo, empregado certo, prostituta, Não ser pobre a valer, operário explorado, Não ser doente de uma doença incurável, Não ser sedento de justiça, ou capitão de cavalaria Não ser, enfim, aquelas pessoas sociais dos novelistas Que se fartam de letras porque têm razão para chorar lágrimas, E se revoltam contra a vida social porque têm razão para isso supor. Não: tudo menos ter razão! Tudo menos importar-me com a humanidade! Tudo menos ceder ao humanitarismo! De que serve uma sensação se há uma razão exterior para ela? Sim, ser vadio e pedinte, como eu sou, Não é ser vadio e pedinte, o que é corrente: É ser isolado na alma, e isso é que é ser vadio, É ter que pedir aos dias que passem, e nos deixem, e isso é que é ser pedinte. Tudo mais é estúpido como um Dostoievski ou um Gorki. Tudo mais é ter fome ou não ter que vestir. E, mesmo que isso aconteça, isso acontece a tanta gente Que nem vale a pena ter pena da gente a quem isso acontece. Sou vadio e pedinte a valer, isto é, no sentido translato, E estou-me rebolando numa grande caridade por mim. Coitado do Álvaro de Campos! Tão isolado na vida! Tão deprimido nas sensações! Coitado dele, enfiado na poltrona da sua melancolia! Coitado dele, que com lágrimas (autênticas) nos olhos, Deu hoje, num gesto largo, liberal e moscovita, Tudo quanto tinha, na algibeira em que tinha pouco, àquele Pobre que não era pobre, que tinha olhos tristes por profissão. Coitado do Álvaro de Campos, com quem ninguém se importa! Coitado dele que tem tanta pena de si mesmo! E, sim, coitado dele! Mais coitado dele que de muitos que são vadios e vadiam, Que são pedintes e pedem, Porque a alma humana é um abismo. Eu é que sei. Coitado dele! Que bom poder-me revoltar num comício dentro da minha alma! Mas até nem parvo sou! Nem tenho a defesa de poder ter opiniões sociais. Não tenho, mesmo, defesa nenhuma: sou lúcido. Não me queiram converter a convicção: sou lúcido. Já disse: Sou lúcido. Nada de estéticas com coração: Sou lúcido. Merda! Sou lúcido. E, mesmo que isso aconteça, isso acontece a tanta gente Que nem vale a pena ter pena da gente a quem isso acontece. Sou vadio e pedinte a valer, isto é, no sentido translato, E estou-me rebolando numa grande caridade por mim. Coitado do Álvaro de Campos! Tão isolado na vida! Tão deprimido nas sensações! Coitado dele, enfiado na poltrona da sua melancolia! Coitado dele, que com lágrimas (autênticas) nos olhos, Deu hoje, num gesto largo, liberal e moscovita, Tudo quanto tinha, na algibeira em que tinha pouco, àquele Pobre que não era pobre, que tinha olhos tristes por profissão. Coitado do Álvaro de Campos, com quem ninguém se importa! Coitado dele que tem tanta pena de si mesmo! E, sim, coitado dele! Mais coitado dele que de muitos que são vadios e vadiam, Que são pedintes e pedem, Porque a alma humana é um abismo. Eu é que sei. Coitado dele! Que bom poder-me revoltar num comício dentro da minha alma! Mas até nem parvo sou! Nem tenho a defesa de poder ter opiniões sociais. Não tenho, mesmo, defesa nenhuma: sou lúcido. Não me queiram converter a convicção: sou lúcido. Já disse: Sou lúcido. Nada de estéticas com coração: Sou lúcido. Merda! Sou lúcido.

Álvaro de Campos

segunda-feira, fevereiro 07, 2022

Persistência...

Nothing in this world can take the place of persistence. Talent will not: nothing is more common than unsuccessful men with talent. Genius will not; unrewarded genius is almost a proverb. Education will not: the world is full of educated derelicts. Persistence and determination alone are omnipotent.

Calvin Coolidge

segunda-feira, janeiro 31, 2022

Hiparquia, a fora da lei...

Suposto Crates e Hiparquia em uma pintura romana do século I (Jardim da Villa Farnesina, Roma, Museo delle Terme)

Hiparquia é considerada uma mulher libertina e rebelde. Foi discípula de Crates, com quem se casou. Ele participou das reuniões dos filósofos do século IV aC. C., onde expôs suas ideias sobre os diferentes temas e se envolveu nas discussões do grupo de cínicos. Certa ocasião, durante um banquete na casa de Lisímaco, Hiparquia confrontou Teodoro, o ateu, por não concordar que uma mulher se dedicasse à filosofia, muito menos frequentasse suas reuniões, esquecendo-se de seus deveres domésticos. Ela respondeu, ironicamente, que havia errado em se dedicar aos estudos em vez de se dedicar à tecelagem. Teodoro, aborrecido, rasgou seu vestido, mas ela não se aborreceu e lhe respondeu com uma pergunta que denota seu caráter e seu compromisso com a filosofia. Teodoro questionou: "Foi você que deixou o pano e a lançadeira?" Ele respondeu: "Eu sou, você acha que por acaso, eu procurei pouco para mim ao dar às ciências o tempo que eu tinha que gastar com tecidos?" Coerente com a filosofia cínica, Hiparquia renunciou às suas propriedades, à sua vida confortável e levou uma vida ao estilo dos filósofos caninos, andando em trapos ao lado de Crates. Uma das condições que Crates impôs a Hiparquia foi que ele usasse as mesmas vestes. Para ela isso não era problema: pegava trapos sujos e se vestia assim. Ele também não tinha escrúpulos em fazer sexo em qualquer lugar, mesmo na rua. Ele se comportava como uma pessoa generosa e piedosa, que ajudava os necessitados. Com sua morte, os filósofos cínicos declararam um festival anual em sua homenagem em Atenas, no Golden Gate, chamado Kynogamia ou o dia da incorporação das mulheres ao mundo da filosofia cínica.