segunda-feira, março 24, 2008

Dia Mundial da Poesia

QUASE

Um pouco mais de sol – eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa,
Se ao menos eu permanecesse aquém.

Assombro ou paz? Em vão. Tudo esvaído
Num baixo mar enganador de espumas;
E um grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho – ó dor! – quase vivido.

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim – quase a expansão,
Mas, na minh’alma tudo se derrama,
Entanto, nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo e tudo errou
- Ai a dor de ser-quase, dor sem fim -
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim
Asa que se elançou mas não voou.

Momentos de alma que desbaratei.
Templos aonde nunca pus um altar
Rios que perdi sem os levar ao mar
Ânsias que foram mas que não fixei.

Se me vagueio, encontro só indícios,
Ogivas para o sol – vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé acobardadas
Puseram grades sobre os precipícios

No ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí.
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi.
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Um pouco mais de sol – e fora brasa,
Um pouco mais de azul – e fora além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa,
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Mário de Sá-Carneiro

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